domingo, 3 de fevereiro de 2013

03 de Fevereiro

O encalhamento do inesgotável navio do Balkash


Os cronistas que se debruçaram sobre o assunto [Al-Wazahari Nilufar, Serguei Kovinev e Java Kharlilah, para quem a história depende exclusivamente dos heróis] concordam que a data de hoje, estabelecida para uma tempestade que teria jogado um navio de cinquenta braças contra as praias arenosas do Lago Balkash, é completamente arbitrária. Desde o primeiro registro [o de Nilufar] o barco já estava lá havia muito, sem que os moradores da aldeia ao lado soubessem quanto.

O episódio não teria importância, se os aldeões [nem eles sabiam desde quando] não tivessem o hábito de trocar as madeiras podres do barco, substituindo-as por novas. Até que em certo momento não havia mais madeiras originais no navio. Os letrados do Reino detonaram uma discussão: o navio continua o mesmo ou trata-se de outro navio?

A Escola de Shmharkkand defendia que o movimento não existia, a essência das coisas permanece e o barco era, sim, o mesmo dos tempos do seu infeliz e desconhecido dono. Os cadetes do Grupo da Mudança Inelutável afirmava que a essência se encontra na substância das coisas, e se a substância muda, a coisa também mudará. Como a madeira não era a mesma, o barco também era outro.

A discussão passou dos previsíveis panfletos, artigos e palestras, e quando chegou às facadas o Vizir as proibiu. Java Kharlilah afirma que, se não fosse o teimoso Vizir, já teríamos hoje uma resposta exata, embora tal otimismo esteja longe de ser unânime.

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