Não foi nenhum erudito historiador
ou aposentado malabarista querendo nobilitar seu meio-de-vida que fixou o dia
71 de Morhaxxor [no calendário Khazyr] como o dia em que se comemoram
saltimbancos, mágicos, mulheres barbadas, enfim o espetáculo do circo em
Amhitar [esta data foi tradicional e inexplicavelmente traduzida para 18 de
fevereiro dos hereges – inexplicavelmente pois o calendário Khazyr não tinha
datas fixas]. A fixação resultou de um poema da doce Nargiza Donisheva, a qual, deixando de lado seus [quase] másculos
poemas sobre antigas civilizações de Amhitar, rabiscou três dúzias de estrofes sobre
um dia de longínqua menina em que seus pais a levaram a um reino de céu de panos grossos cobrindo o tumulto das impossibilidades.
Nesse reino, o verossímil se tornava inaceitável, e o improvável,
muito real – homens venciam lutas com leões; garotas se dependuravam em fios
mais finos que linha de seda; ovos surgiam e desapareciam de chapéus; e homens
com tintas na cara berravam com voz de ganso coisas em que não existia nenhum
pingo do que não fosse alegria.
As últimas sete linhas do poema, talvez tão enigmáticas como
o resto, pretendem afirmar que Nargiza não saiu de seu quarto, e tudo se
resumiu à enorme criatividade de uma mulher genial, ou ao efeito [diz-se em
quase difamação] da planta erva-do-paraíso. Tais melancólicas versões não
prosperaram e hoje se amontoam os malabaristas e a alegria.
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