sábado, 2 de março de 2013

2 de Março

As gargantas e a pedra


Trinta tempestades mágicas em sequencia criaram as três gargantas pedregosas chamadas Dilshoda [diziam, e depois deixaram de dizer]. A primeira vaga de pensamento racionalista em Amhitar [ocorrida no século XIV dos hereges, muito antes do Ocidente] destruiu essa lenda com a beleza esfumaçada de todas as lendas. Tais gargantas, diziam os sóbrios filósofos, não existiam.

Livres do constrangimento do chamado mundo real [com sua beleza esfumaçada] as canções de ninar e as histórias de botequim por cinco séculos encheram esses inexistentes vales de pedra de palácios de ametista, Cinderelas virgens, guerreiros de lança e velhos sábios com barba de quatro quilômetros e meio [sem que nenhum folclorista jamais soubesse a causa de tamanha precisão].

Uma caravana perdida [e semimorta de sede] chegou a Shhmaerkant no dia de hoje em 1868 com a notícia de que os lendários desfiladeiros não eram lendários. [A razão de sua não-descoberta é que todos os procuravam nas montanhas do Sul, quando se encontravam perto da bacia Garabogazköl, no Oeste.] Essa descoberta [e as expedições arqueológicas que se seguiram] transformaram as mágicas escarpas em um tolo lugarejo seco e sem graça, habitado por duas aldeias sujas das quais nem o folclore possuía alguma beleza. Ao saber que suas histórias de ninar eram fantasias, o menino [e futuro historiador radical] Iusya Marzhaffar escreveu em seu diário que hoje eu descobri que nenhuma lenda existe, e só a pedra é real.

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