sábado, 4 de maio de 2013

04 de Maio

O tempo em que o barbicha foi feliz


Era meia-noite quando Leon, depois de condenar 17 contrarrevolucionários à morte e completar três laudas de Uma análise dialética do futuro da mais-valia espreguiçou-se, levantou de sua escrivaninha no trem blindado que servia de comando ao Exército Vermelho e saiu para tomar ar. [A guerra civil afinal caminhava bem – apenas nove mil e novecentos mortos nos últimos dias, uma bagatela].

Distraído pela emoção de estar construindo a redenção do mundo e pela neblina, perdeu-se e quase bateu a testa no Velho Cachorrão [o mais sujo dos bordéis de Amhitar e do mundo].

Três bêbados o convidaram a uma mesa. Leon frio e fome não tinha rublos. Eles pagaram o pão e a vodca. 

Mas exigiram:

- Cante.

O orgulho proletário bateu firme em Leon. O alcoolismo é uma desgraça do povo oprimido.

Não se deixaram convencer. Canta ou nada.

Leon Trotsky engoliu o orgulho [a fome deva pontadas]. Grasnou:

- Figaro, Figaro, Figarooo...

Não gostaram. Fechou os olhos, pediu para Marx perdoá-lo:

- Anushka/ a minha puta/ tinha quatro tetas/ sete tetas/ nove tetas...

Trabalhadoras da noite e bêbados riram. Leon comeu, bebeu, gargalhou, moças sentaram nos seu colo. Os comissários da Artilharia Vermelha que o encontraram lhe sentiram o bafo de álcool.

Depois, numa noite em 1940, numa casa fortificada no México, Leon Trotsky escreveria: somente um dia, naquele dia 4 de maio de 1920, posso dizer que fui realmente feliz.

Vinte e quatro horas depois morreu assassinado.

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