terça-feira, 21 de maio de 2013

21 de Maio

Onde estou eu


 No segundo depois da festa inicial da Ferrovia Trans-Turquestão um homem desceu à novíssima estação de Shmaerkant no dia 9 de maio de 1881 dos julianos [21 de maio dos gregorianos]. Não um homem mas o homem: sua cara de infinito peso trazia [além da viagem de cinquenta e três horas desde Petersburgo] uma angústia [e também uma esperança básica]. Deu o improvável nome de Rashkolnikov.

Entrou na primeira taberna. Misturou a vodca com o shamuzz cachacístico amhitariano, entrou na segunda taberna, pediu mais e entrou na terceira e nas demais, sempre mais longe, mais fundo e mais baixo naquele mundo de punguistas e mulheres de aluguel.

E encontrou a felicidade: naquela imunda baixeza encontrei a espiritualidade mais viva – disse nas pouquíssimas palavras que jamais diria sobre sua experiência amhitariana. As prostitutas tiveram pena dele, os ladrões lhe deram relógios roubados para vender – aquele homem aparentemente de classe descendo ao baixo-mundo os seduzia. Cantou com eles, dançou, gargalhou.

Seus novos amigos o empurraram de volta ao trem. Disseram adeus.

Cinco meses depois em Moscou rompeu o silêncio: esperava escrever um livro sobre a abjeção completa e para isso fui ao lugar mais abjeto de Amhitar, o mais abjeto dos países. Mas encontrei Deus em meio à abjeção. Ou melhor, encontrei a mim.

No dia seguinte bem poucos jornais anunciaram a morte de Dostoievski.

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