domingo, 17 de novembro de 2013

17 de Novembro

O monotom

Uma capa de nuvens cobria o céu de Amhitar [dando a tudo uma monótona cor cinza-chumbo] no dia em que o mais monótono dos homens visitou o país. Era a data de hoje [dia em que, tirando os aniversários e falecimentos de sempre, nada aconteceu de especial] do monótono ano de 1972 [ano que, excetuando as guerras e massacres de rotina, só provocou bocejos]. A população [sem ter o que fazer naquela monótona sexta, feriado decretado pelo partido] acorreu em não pequeno número para Estação de Trem Triunfo da Revolução [a qual tinha sido rebatizada especialmente para o fato. Como os gráficos do Jornal oficial Voz do Proletariado Vitorioso se esqueceram de publicar o decreto, o novo nome não pegou]. A multidão [na verdade] chegou quase toda em atraso, mas como o trem esperado também retardou, ninguém prestou atenção.

O homem chegou. Sua cara de buldogue parecia não ter cor [assim como os sobretudos que vestia]. Estendeu a mão com a leveza de um guindaste enferrujado e cumprimentou alguns dos membros do comitê local do partido [alguns com jeitão gostaria-de-estar-na-cama]. Dizem algumas testemunhas que até pretendeu ensaiar um sorriso – mas a questão ainda hoje controverte.

Leonid Brejnev veio a Amhitar – inaugurou as cooperativas de sempre, percorreu as metalúrgicas de praxe, cortou fitas dos ramais ferroviários que seriam de esperar, recebeu as flores de costume das crianças de rotina e foi embora.

O regime que representava acabou por cair no sono.

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