O monotom
Uma capa de nuvens cobria o céu
de Amhitar [dando a tudo uma monótona cor cinza-chumbo] no dia em que o mais
monótono dos homens visitou o país. Era a data de hoje [dia em que, tirando os
aniversários e falecimentos de sempre, nada aconteceu de especial] do monótono
ano de 1972 [ano que, excetuando as guerras e massacres de rotina, só provocou
bocejos]. A população [sem ter o que fazer naquela monótona sexta, feriado
decretado pelo partido] acorreu em não pequeno número para Estação de Trem Triunfo da Revolução [a qual tinha sido
rebatizada especialmente para o fato. Como os gráficos do Jornal oficial Voz do Proletariado Vitorioso se esqueceram
de publicar o decreto, o novo nome não pegou]. A multidão [na verdade] chegou
quase toda em atraso, mas como o trem esperado também retardou, ninguém prestou
atenção.
O homem chegou. Sua cara de
buldogue parecia não ter cor [assim como os sobretudos que vestia]. Estendeu a
mão com a leveza de um guindaste enferrujado e cumprimentou alguns dos membros
do comitê local do partido [alguns com jeitão gostaria-de-estar-na-cama]. Dizem algumas testemunhas que até
pretendeu ensaiar um sorriso – mas a questão ainda hoje controverte.
Leonid Brejnev veio a Amhitar –
inaugurou as cooperativas de sempre, percorreu as metalúrgicas de praxe, cortou
fitas dos ramais ferroviários que seriam de esperar, recebeu as flores de
costume das crianças de rotina e foi embora.
O regime que representava acabou por
cair no sono.
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